Quando Adriana Friedman, nos fala sobre a escuta do universo infantil, ela nos traz uma ideia bastante significativa: a de “ adentrar os labirintos infantis”. Isto nos remete a importância de estar atento para a voz das crianças. Ela é cheia de conteúdos, de sonhos, de imaginação. Ouvir uma criança é entender de suas necessidades, de seus conflitos, de suas conquistas. Segundo a mesma autora, o adulto precisa aprender a traçar mapas da vida de uma criança porque só assim este adulto poderá “adentrar nestes labirintos infantis”.
As crianças nos dizem tudo o que precisamos saber sobre elas, se soubermos entender as suas diversas linguagens: da pintura, da mímica, a do brincar, a da própria fala (que nem sempre se traduz apenas em palavras). Ao falar sozinha, a criança fala de seus medos, desejos, suas cumplicidades, seus afetos. O silêncio também é uma fala. É uma fala que fala muito alto. Novos olhares contemplam a criança no lugar de quem fala e não apenas de quem escuta. O silêncio de uma criança é carregado de conteúdos. A esteira do afeto é o melhor caminho para se chegar ao coração infantil, que é aberto, disponível, transparente até, quando conseguimos perceber as suas diversas nuances.
O professor Manuel J. Sarmento (Universidade de Minho, Portugal) nos fala da importância de voltar o olhar para a relação adulto-criança. A criança não está separada do adulto, nem o adulto dela. Todos sempre foram crianças e guardam desta criança momentos importantes na constituição de suas pessoas. No entanto, o adulto precisa conquistar da criança a autorização para a sua escuta. Precisa ter seu consentimento para que se estabeleça assim um relação de confiança e de afeto.
Brincar significa entrar em um mundo repleto de informações, de descobertas, de experiências, de conquistas que garantem a cada um a sua própria importância e realização. É o que constitui a essência do ser humano, de ser alguém, que tem voz e vez no grupo ao qual pertence. Desde cedo as crianças se medem pelos pares, ainda que não seja numa situação competitiva, mas numa proposta imitativa, para adquirir com o outro os seus saberes. Assim nasce o sentimento de pertença, fundamental para a vida em grupo. O aceite do outro é dado segundo suas competências e estas são construídas, para as crianças, no seu brincar.
O Brinquedo ou a Brincadeira ?
Parece não haver diferença. Mas se observamos o que faz uma criança enquanto brinca, iremos perceber que o brinquedo é apenas o instrumento para que a brincadeira se realize. É uma ferramenta do brincar. E é a ação de brincar que realmente satisfaz as necessidades infantis. As suas realizações acontecem por meio da ação que ela se propõe com o brinquedo. Mas se não tiver acesso a um bonito arco para disparar uma flecha igualmente bem trabalhada e colorida, ela por certo irá utilizar um simples arco, feito com um galho de uma árvore, e como flecha um graveto qualquer. E a brincadeira está garantida. É a brincadeira, a ação do brincar que precisamos oferecer às crianças.
Elas normalmente se encantam com os brinquedos porque eles lhes são apresentados como promessa de grandes e maravilhosas brincadeiras. Mas estas acontecem muito mais pelas próprias crianças do que pela natureza dos artefatos.
Que não se lamentem os pais, pela impossibilidade de dar aos seus filhos, brinquedos bem elaborados e caros. Não são eles que garantem a felicidade no brincar. Que se ofereçam as condições para as ações do brincar, as brincadeiras, e participem junto com os filhos, tanto quanto possível destas ações. Assim estará garantida a felicidade das crianças, que se traduz muito mais pelo seu brincar do que pelos seus brinquedos.
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